Primeiras Impressões | ‘O Culto Secreto’ é uma angustiante série que exala potencial narrativo – Zonatti Apps

Primeiras Impressões | ‘O Culto Secreto’ é uma angustiante série que exala potencial narrativo

Ao longo da evolução da literatura e do audiovisual, um recurso foi bastante utilizado para firmar as estruturas de narrativas de mistério e suspense – as sociedades secretas. Verídicas ou fictícias, esses grupos de pessoas de índole duvidosa (na maioria das vezes) sempre estiveram atrelados à boa parte dos enredos do gênero, auxiliando na explicação ou entrando como uma das principais reviravoltas de determinada obra. E foi a partir daí que surgiu a mais nova série do Star+, ‘O Culto Secreto’, que chegou à plataforma de streaming nos últimos dias.

Baseado no romance ‘In the Clearing’, de J.P. Pomare, a história é inspirada, em partes, pelo grupo de new age intitulado ‘The Family’, que, nos anos 1980, foi acusado de falsificar certidões de nascimento para se apropriar de crianças que não lhe pertenciam. Dessa forma, a adaptação criada por Elise McCredie e Matt Cameron já começa com uma sequência de tirar o fôlego – em que uma jovem menina, Sara (Lily LaTorre), é raptada por um grupo de pessoas e levada a uma mansão afastada de todos e comandada pela presença enervante de Adrienne (Miranda Otto) e seus asseclas. Ainda que nos dois primeiros episódios suas verdadeiras intenções permaneçam escondidas, ela é responsável pelo sequestro de diversas crianças, que são batizadas com outro nome e, após um tempo vivendo sob a tutela da matriarca, acreditam pertencer a uma família única.

Em contraposição ao enredo que se desenrola no passado, temos Teresa Palmer dando vida a Freya Heywood, uma mulher de trinta e poucos anos que mora apenas com o filho, Billy (Flynn Wandin) em uma casa escondida – em que ela se posa como uma mãe superprotetora que teme pela segurança do próprio infante. Freya é pautada em um suposto trauma de infância, que não é revelado no capítulo de estreia, mas que parece se relacionar ao que já ocorreu. A verdade é que Freya foi uma das crianças sequestradas por Adrienne e adotava a identidade de Amy (interpretada por Julia Savage); agora, conforme os casos de abdução infantil aumentam na cidade onde mora, gatilhos são acionados e trazem à tona uma preocupação que a dilacera de dentro para fora – acreditando que Billy é o próximo a passar pelo mesmo sofrimento dela.

É notável como McCredie e Cameron confiam na narrativa que vendem – e ela funciona em quase sua completude. Adrienne adota o chamamento de Maitreya – que, na crença budista, representa o nascimento de um novo líder espiritual que dará início a um novo ciclo na Terra. Ora, ela acredita ser abençoada para moldar uma geração diferente de indivíduos, uma que fuja das construções sociais falidas e sirva de referência para uma era de obediência e comunhão. Todavia, seu “dom” é falso e se vale de psicotrópicos para fazer com que seus seguidores atinjam uma espécie de nirvana, alcançando a verdade que “nos foi negada há muito tempo”.

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A ideia por trás da série é nos levar a pensar e a criar múltiplas teorias do que realmente está acontecendo – algo difícil, com apenas dois episódios lançados. Todavia, os capítulos já disponíveis são fortes o suficiente para nos deixar ansiosos pelas próximas semanas, com ganchos que nos aguçam a mente e nos fazem refletir sobre o que Adrienne esconde por trás de uma fachada sorridente e, ao mesmo tempo, autoritária. E, dentro desse complexo escopo, Otto é responsável por roubar os holofotes, seja em sua versão mais nova ou mais velha, dividindo a atenção com uma poderosa e angustiante performance de Palmer em um dos melhores papéis de sua carreira.

Isso não significa que a produção esteja livre de problemas – e esses deslizes aparecem na intrincada engrenagem que sustenta a narrativa. Os showrunners aliam-se a um time apaixonado de roteiristas que querem construir as teorias juntamente ao público, esquecendo-se de que, sem pistas, não podemos fazer muito. É nessa ambição desmedida que residem os obstáculos, em que inúmeros acontecimentos borbulham em uma caldeira transbordante, não nos dando tempo o suficiente de digerir o que se posta à nossa frente. Todavia, não posso desmerecer o impecável trabalho artístico da equipe técnica, que mergulha a série em um tom mais melancólico e sombrio, pincelado com a sobriedade aflitiva do azul e do esverdeado, em contraste com um tímido amarelado que indica uma pseudo-consagração.

‘O Culto Secreto’ pode não ter atingido seu pleno potencial, mas semeou uma história envolvente que tem boas chances de se tornar uma das melhores do ano. Agora, devemos esperar para ver o que sucede – e para ver se as promessas de uma épica conclusão irão se concretizar.

 

 

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